na Gazeta Mercantil de quarta.
Parece coisa de Garcia Márquez
3 de Outubro de 2007 - O Brasil nasceu por engano, porque buscavam o caminho das Índias, não terras à espera de visitantes vorazes, as três caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam perdidas no outro lado do planeta se não tivessem topado, no meio da rota equivocada, com aquele mundão de praias infinitas, areias brancas lambidas por ondas verdes ou azuis, matas e flores espantosas, muita fruta sumarenta e, melhor que tudo, todo mundo nu.
O Brasil nasceu predestinado à safadeza, avisava aquela gente cor de cobre, sem roupas no corpo nem pêlos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois nenhum nativo sabia que havia pecado do outro lado do grande mar, e portanto não era temente a um Deus que desconhecia.
O Brasil nasceu carnavalesco: nem um Joãosinho Trinta em transe com o baticundum juntaria na Sapucaí um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados medievais, marinheiros em trajes de domingo, índios com a genitália desnuda, a cruz dos cristãos contrastando com arcos, flechas e bordunas, reproduzindo a paisagem da primeira missa no Brasil, coreografada involuntariamente pelo frei Henrique Soares.
O Brasil balançou no berço da maluquice desde o primeiro minuto. Marujos ainda mareados pela travessia do Atlântico e perturbados pela visão do paraíso decidiram que aquilo era uma ilha, e ilha das boas, e se chamaria Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até perceberem, incontáveis milhas depois, que era muita orla para uma ilha só, e pareceu-lhes sensato rebatizar o lugar com o nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era firme a terra em que haviam pisado.
O Brasil nasceu com muita preguiça e pouca pressa. Passou a infância na praia, e demorou quase 200 anos para animar-se a escalar o paredão que separava o litoral do Planalto, e esperaria mais um século até aventurar-se pelos sertões estendidos por trás da cortina de mata virgem, porque sempre deixou para depois o que podia ser feito agora.
Passados mais de 500 anos, a geléia geral brasileira só não merece o estigma da incoerência, pois o Brasil parido pelo equívoco hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma louca de hospício, o Brasil da safadeza forjou a dupla Pedro Primeiro e Chalaça, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco inventou a primeira-dama por uma noite e sem calcinha.
A troca de regime não mudou a essência da alma nacional, informa o cortejo dos presidentes do Brasil republicano, que parece coisa de doido mesmo aos olhos de um Garcia Márquez por incluir, entre tantos destaques, um cinquentão caduco, um napoleão de manicômio, um general com radinho de pilha no coldre, outro que não resistia ao cheiro de cavalo, um topete sem cérebro, um cérebro sem neurônios e um criminoso vocacional.
O país nascido sob o signo da insensatez teve um imperador com 5 anos de idade e hoje é governado por um presidente que freqüentemente lembra um aluno de jardim-de-infância. Com um órfão no trono, não sentiu tanto medo. Com um sessentão no comando, o Brasil que pensa se sente sem pai nem mãe.
Parece coisa de Garcia Márquez
3 de Outubro de 2007 - O Brasil nasceu por engano, porque buscavam o caminho das Índias, não terras à espera de visitantes vorazes, as três caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam perdidas no outro lado do planeta se não tivessem topado, no meio da rota equivocada, com aquele mundão de praias infinitas, areias brancas lambidas por ondas verdes ou azuis, matas e flores espantosas, muita fruta sumarenta e, melhor que tudo, todo mundo nu.
O Brasil nasceu predestinado à safadeza, avisava aquela gente cor de cobre, sem roupas no corpo nem pêlos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois nenhum nativo sabia que havia pecado do outro lado do grande mar, e portanto não era temente a um Deus que desconhecia.
O Brasil nasceu carnavalesco: nem um Joãosinho Trinta em transe com o baticundum juntaria na Sapucaí um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados medievais, marinheiros em trajes de domingo, índios com a genitália desnuda, a cruz dos cristãos contrastando com arcos, flechas e bordunas, reproduzindo a paisagem da primeira missa no Brasil, coreografada involuntariamente pelo frei Henrique Soares.
O Brasil balançou no berço da maluquice desde o primeiro minuto. Marujos ainda mareados pela travessia do Atlântico e perturbados pela visão do paraíso decidiram que aquilo era uma ilha, e ilha das boas, e se chamaria Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até perceberem, incontáveis milhas depois, que era muita orla para uma ilha só, e pareceu-lhes sensato rebatizar o lugar com o nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era firme a terra em que haviam pisado.
O Brasil nasceu com muita preguiça e pouca pressa. Passou a infância na praia, e demorou quase 200 anos para animar-se a escalar o paredão que separava o litoral do Planalto, e esperaria mais um século até aventurar-se pelos sertões estendidos por trás da cortina de mata virgem, porque sempre deixou para depois o que podia ser feito agora.
Passados mais de 500 anos, a geléia geral brasileira só não merece o estigma da incoerência, pois o Brasil parido pelo equívoco hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma louca de hospício, o Brasil da safadeza forjou a dupla Pedro Primeiro e Chalaça, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco inventou a primeira-dama por uma noite e sem calcinha.
A troca de regime não mudou a essência da alma nacional, informa o cortejo dos presidentes do Brasil republicano, que parece coisa de doido mesmo aos olhos de um Garcia Márquez por incluir, entre tantos destaques, um cinquentão caduco, um napoleão de manicômio, um general com radinho de pilha no coldre, outro que não resistia ao cheiro de cavalo, um topete sem cérebro, um cérebro sem neurônios e um criminoso vocacional.
O país nascido sob o signo da insensatez teve um imperador com 5 anos de idade e hoje é governado por um presidente que freqüentemente lembra um aluno de jardim-de-infância. Com um órfão no trono, não sentiu tanto medo. Com um sessentão no comando, o Brasil que pensa se sente sem pai nem mãe.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(Augusto Nunes - Diretor Editorial - Grupo CBME-mail: augusto@jb.com.br )
Nenhum comentário:
Postar um comentário