domingo, 2 de dezembro de 2007

COM CPMF, FARRA DOS GASTOS VAI PROSSEGUIR


02.12, 11h12
por Paulo Moura, cientista político

Dentre os muitos artifícios que o Palácio do Planalto está utilizando para pressionar o Congresso a aprovar a renovação da CPMF até 2011 está o argumento de que o governo só conseguirá fazer a Reforma Tributária se tiver fôlego de caixa para transitar para o novo sistema arrecadatório. Há quem acredite.

Para aceitar-se o argumento palaciano, em primeiro lugar seria preciso admitir que esse governo estivesse disposto a fazer a Reforma Tributária que o país precisa. O passado desse governo e do governo tucano que o antecedeu, atesta que nem o governo, nem a oposição, nem a maioria dos políticos, e muito menos os sonegadores, pretendem, sinceramente, mudar o manicômio tributário brasileiro.

Por Reforma Tributária necessária, entende-se uma mudança na legislação que regula o sistema brasileiro de impostos visando reduzir o número de tributos, simplificar o sistema, torná-lo mais transparente e mais democrático do ponto de vista da distribuição do dinheiro público arrecadado entre os entes federados priorizando prefeituras e os governos estaduais em detrimento da União, já que aí se executam os serviços públicos, que os cidadãos mais necessitam. Outro benefício estratégico residiria no deslocamento dos fatos geradores de tributos, da produção para o consumo, muitas vezes encarecida pela incidência sobreposta de impostos em todas as etapas intermediárias entre a fabricação e o consumo.

Dentre os objetivos de uma mudança dessa natureza, estariam: a melhoria da qualidade do gasto público, a redução do custo do Estado para a sociedade, a limitação da ação dos governos ao que lhe cabe e não pode ser feito pela iniciativa privada e a inversão da relação de poder hoje existente entre a União e os demais entes federados e entre o Poder Executivo e os demais poderes de Estado.

No entanto, não há sinais de viabilidade dessa mudança no curto prazo no Brasil. Toda a vez que a Reforma Tributária é trazida à pauta da mídia, ou se trata de um subterfúgio para o governo ou a oposição mudarem o foco da agenda em debate, ou há uma deliberada intenção de aumentar a carga de impostos. Esse tem sido o único consenso possível no meio político, em torno de alguma alteração na legislação tributária.

A única explicação plausível para as dificuldades que o governo enfrenta no Senado para aprovar a prorrogação da CPMF, já que preço do voto dos parlamentares não é problema para quem está em vias de faturar mais de R$ 40 bilhões por ano até 2011, parece ser a disputa pelo trono presidencial em 2010. Assim, chega a ser surpreendente o festival de ziguezagues dos tucanos em busca de um pretexto para ajudar a financiar a re-reeleição de seu principal adversário.

Se aprovar a renovação da CPMF, aí mesmo é que o governo não fará Reforma Tributária. E, conforme o próprio presidente Lula admite, se a emenda da CPMF for rejeitada o governo vai aumentar outros impostos para compensar a perda de receitas, já que, como ele mesmo admitiu recentemente, "não é possível governar sem aumentar gastos".

Como se vê, a cultura da irresponsabilidade fiscal está de volta com toda a força. A única novidade é que os políticos latino-americanos de hoje não podem mais gerar déficits e endividamento descontrolados e transferidos a seus sucessores, sob pena de contrariar o nervoso mercado financeiro global, cujos "investimentos" ou "não-investimentos" no mercado político têm o poder de viabilizar ou inviabilizar quaisquer governos.

A iminente aprovação da emenda que concede licença gestante por seis meses, embora socialmente justificável, é mais um sinal de que a classe política brasileira não aprendeu com as conseqüências do populismo que marcou a concessão irresponsável de benefícios sociais sem fonte de receita na Constituinte de 1988. Há, aqui, outro repasse do custo dessa medida ao bolso do contribuinte.

Ao definir que o pagamento dessa licença será feito pelo sistema previdenciário deficitário nos primeiros quatro meses, e pelas empresas nos dois meses seguintes, nossos ilustres parlamentares estarão aumentando o déficit da Previdência e o preço dos produtos que as empresas botam no mercado. Ainda que abatendo esse custo de seu IRPJ, a tendência é de as empresas majorarem preços para arcar com sua parte do pagamento imediato das colaboradoras gestantes, já que o abatimento da despesa no imposto de renda só acontecerá no exercício fiscal seguinte. Finalmente, deputados e senadores geram mais um gasto público que o governo cobre com recursos do mesmo caixa de onde tira o dinheiro para pagar o salário dos milhares de militantes que está contratando desde que foi eleito.

O povo ignorante apóia a medida anunciada, mas não faz a menor idéia de quem paga essa conta. Curiosamente, o mesmo contribuinte que responde a pesquisa com um SIM, quando inquirido se apóia a nova lei, responde, no questionário da mesma enquete, que acha que paga muitos impostos e que o governo gasta mal.

A classe política brasileira segue agindo como representação de seus próprios interesses como corporação estatista. Com os cofres públicos cheios, esse segmento que se convencionou chamar "classe política" segue se reproduzindo através da intermediação de favores para suas clientelas. Não raras vezes os políticos recorrem a práticas ilegais para obtenção de benefícios privados em troca desses favores, e, mesmo quando se protegem sob as lacunas da lei para esse tipo de prática, fazem-no de forma absolutamente obscura e imoral.

Sob essas circunstâncias, não há como modificar essa cultura, contando com iniciativas construídas a partir de dentro do sistema político. Ou a sociedade, que arca com os altos custos dessa hipocrisia, reage, pressiona, cobra e impõe a mudança, ou ela não virá.

Parte da explicação para a passividade dos brasileiros diante dos sucessivos assaltos que os políticos praticam contra o bolso de quem produz e trabalha nesse país, está na desinformação e na falta de transparência do sistema de tributos, um verdadeiro manicômio tributário no emaranhado da legislação vigente. O labirinto de leis serve aos interesses vorazes de todos os políticos, dos fiscais da fazenda pública, remunerados proporcionalmente aos aumentos de arrecadação, aos escritórios de "engenharia tributária" que lucram com clientes que podem pagá-los e burlar a lei usando a própria lei como instrumento. E, é claro, aos corruptos.

A Saúde faliu, o governo inventa a CPMF e não aplica os recursos na Saúde. E nada acontece. A infra-estrutura de transporte está sucateada, o governo cria a CIDE e não aplica o dinheiro na infra-estrutura de transporte. E nada acontece. Políticos corruptos, agentes corruptores e sonegadores, em número cada vez maior, seguem impunes. E o cidadão que trabalha e respeita a Lei é cada vez mais extorquido.

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