segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O “Não” a Lula e o “Não” a Chávez


03 de December de 2007

Por Reinaldo Azevedo (*)

Não fosse o meu Coringão na segunda divisão — e ainda com a perversidade dos “três” pênaltis a favor do Goiás —, e o fim de semana teria sido glorioso. “Mais fortes são os poderes do povo”, não é?, conforme publiquei aqui ontem, repetindo o Corisco de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Primeiro foi Lula no Brasil. Em seguida, Hugo Chávez na Venezuela. A ambos o povo disse “Não”. Os eleitores brasileiros rejeitam as tentações chavistas. Os da Venezuela já começam a rejeitar o próprio Chávez. Mantenho a minha previsão sobre o tiranete: terminará seus dias pendurado pelos pés em praça pública, esvaindo-se como um porco fedorento. Repetirá Mussolini, Ceausescu...

Publiquei alguns posts na madrugada sobre a derrota de Chávez, vejam lá. Voltarei ainda ao tema neste texto, mais abaixo. Quero falar um pouco é do “Não” a Lula. Acabaram-se as ilusões continuístas, embora permaneçam, claro, as tentações. A América Latina está assistindo a uma safra de aproveitadores do regime democrático, que recorrem a suas licenças para golpeá-la.

Os tocadores de tuba e bandolim do lulo-petismo, em seu incansável trabalho de soprar e dedilhar, acreditam que o resultado da pesquisa Datafolha é um recado, imaginem só, às oposições, que agora não teriam mais a facilidade de carimbar em Lula a tentação chavista, o que as obrigaria a encontrar outro discurso. Bem, trata-se de uma mentira factual somada a uma extravagância teórica. A mentira é conhecida: os movimentos em favor da mudança da lei para permitir o terceiro mandato nasceram no petismo, em consonância com o discurso do Apedeuta, que sempre estimulou o queremismo. A extravagância se deve ao fato, revelado na pesquisa, mas que já era conhecido, de que quem tem, hoje, o candidato viável a suceder Lula é justamente um partido de oposição.

Mais ainda: a única legenda a fazer o que poderia ser considerada uma oposição cerrada e sistemática ao governo Lula é o DEM. Também é o partido que parte mais para o necessário confronto ideológico com o PT e com o Planalto. Ora, é assim em todas as democracias. Sempre há a oposição mais dura, menos afeita à conversa e à negociação. Para que o DEM pudesse ser o correlato de certos grupos radicais venezuelanos, seria preciso que estivesse propondo depor Lula pelas armas. Não está. Faz oposição parlamentar e legal. No caso do PSDB, vocês sabem bem, o que se tem é negociação — afinal, a perspectiva de poder é muito clara.

Não, não! Quem queria o terceiro mandato era o PT, era Lula, que permitiu, cinicamente, que o debate prosperasse. A melhor síntese do processo coube ontem a José Dirceu. Segundo o valente, o presidente e o partido até poderiam optar pela possibilidade do terceiro mandato se quisessem, mas preferiram outro caminho — porque, certamente, são muito generosos... Conversa mole. O povo não quer. Lula não é Chávez porque não pode. Bem que gostaria.

Ademais, fico sempre muito comovido quando exibem esse formalismo de democracia ginasiana para provar as convicções democráticas do PT. Sem essa, valentes!!! No que me diz respeito, a “luta” não termina com a eventual substituição de Lula por um nome da atual oposição — seja Serra ou qualquer outro. Caso isso aconteça, é aí que começa a parte boa da briga. Será preciso despetizar o Brasil, o estado, as estatais, os fundos de pensão, a justiça, o Ministério Público, as ONGs... Será preciso fechar a TV Pública. A luta contra os males do estatismo e do pobrismo tem de ser permanente. Como o sucessor de Lula, mesmo de oposição e seja quem for, tenderá a acomodar com o quadro que vai herdar, o confronto continua. É uma maratona, não uma corrida de 100 metros.

O Folha de S. Paulo só gastou dinheiro encomendando uma pesquisa ao Datafolha porque não deu ouvidos aos tocadores de tuba e bandolim. Eles estavam tão certos de que Lula não queria o terceiro mandato, que certamente dispensariam a pesquisa. Ainda bem que há gente mais sábia. Eis aí. Os números do Datafolha se convertem num fato político. Os brasileiros disseram “não” a Lula.

Chávez

O Jurassic Park da América Latina deve estar inconsolável, inclusive os dinossauros que habitam o Palácio do Planalto. Não se esqueçam de que Lula era o mais importante fiador da “democracia venezuelana”. Não se esqueçam de que Lulovsky Apedeutakoba chegou a dizer que não via mal nenhum na reeleição ilimitada de Chávez, já que, nos países parlamentaristas da Europa, primeiros-ministros renovavam constantemente seu mandato. Não se esqueçam de que, obviamente, estava falando de si mesmo. O desfecho, de certo modo, envergonha mais o governo brasileiro do que o da Venezuela.

É claro que o resultado naquele país não significa que a democracia voltou à sua plenitude. Nada disso. O que se tem lá é uma ditadura, onde alguns mecanismos democráticos ainda exibem sinais vitais. A própria realização do referendo dá uma idéia da situação surrealista vivida. Onde já se viu um país opinar se quer ou não uma tirania? Uma democracia não pode ser “democrática” a ponto de votar a sua própria extinção. Isso é chicana, não é referendo. Compreendo, assim, o impulso inicial de correntes que pregavam o boicote ao pleito. Compreendo, mas era um erro, como a gente pode constatar agora.

O que vem depois? Ninguém sabe. A presidência é ocupada por um bufão paranóide. O Legislativo e o Judiciário estão corroídos pelos “socialistas bolivarianos”. Chávez organiza milícias para perseguir opositores — a bala, como sabemos. Em sua mímica estúpida de luta de classes, incentiva suas hordas a avançar contra o país que produz — aliás, cada vez menos. Não fosse o preço do barril do petróleo (a exemplo de Lula, sorte ele tem), aquele destino que antevejo pra ele já se teria cumprido. Uma queda no preço do óleo jogaria o país numa crise inédita, já que o tiranete golpeou gravemente a indústria e a agricultura. O crescimento do país decorre unicamente da indústria petroleira.

Chávez aceitará o resultado das urnas e ponto final? Não. E não vai desistir, conforme anunciou nesta madrugada (ver abaixo) das suas “reformas”. Mas reitero: surge um fio de esperança na Venezuela. As oposições estão, agora, com um ativo nas mãos como nunca tiveram, desde que o coronel golpista chegou ao poder.

A democracia não se esgota na vitória da maioria. Ela supõe a observância das regras do jogo e o respeito às minorias. Os novos tiranetes da América Latina ainda não entenderam esse princípio. No Brasil, o PT faz de tudo para fraudá-lo. O fato auspicioso é que venezuelanos e brasileiros disseram “Não”.

(*) Fonte:http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2007/12/o-no-lula-e-o-no-chvez.html

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